segunda-feira, 26 de março de 2012

Conclusão

No momento em que o antigo parece novidade
E o novo se desgasta e parece essencial

No momento em que a descrença é necessária
E a esperança é indesejada e tirana

O momento em que tudo desabou
E o fim já era previsto, embora não aceito

O momento em que a máscara cai
E o que se vê é um cadáver moribundo

No momento em que a palavra rasga
E a atitude inesperada choca, atordoa

No momento em que os lados se misturam
E não há mais controle sobre o que se sente

O momento em que não se tem lágrimas,
Mas se tem o peito carregado

O momento em que não se acredita mais.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Mente

Ouço uma música alegre,
tristemente.
Leio uma manchete de jornal,
poeticamente.
Penso em todas as mentiras,
sinceramente.

Ouço as muitas conversas,
surdamente.
Leio os poemas de Vinicius,
cegamente.
Penso em todos os amores,
amargamente.

Assisto ao amanhecer,
apaticamente.
Sinto as dores do mundo,
intensamente.
Falo sobre as coisas da vida,
humildemente.

Assisto ao enterro de minha alma,
alegremente.
Sinto o cheiro do medo,
constantemente,
Falo tudo o que não penso,
leviana mente.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Vivente de amor descontente

Andando atrás do que supõe-se ser correto, concreto, completo
Chorando pouco, quase sem perceber a vida passa, perpassa, pirraça
Perto do começo de uma nova história que se mostra longa, lenga, lenta
Largando a esperança, entregando-se ao vento, vivendo, valendo

Vi chegar o moço, olhar cansado, sorriso fraco, andar arcaico
Vi contar o segredo conhecido, fingindo não saber de cór, de cor, de dor
Fingindo não sair suspeito, sujeito, de peito e sem jeito
Fingindo não saber sofrer, não querer arder, não sequer temer

Mecanicamente revela a surpreendente arte de viver... ou morrer
Talvez viver seja morrer e morrer seja viver;
Quanto mais se vive, mais se desgasta, regaça, sofre!
Quanto mais se morre, mais se vive na memória, na história, na estrofe!

domingo, 29 de novembro de 2009

Cantar

Aprendi há pouco que cantar é libertar-se de si mesmo; é expor o ser que vive escondido dentro de nós e que, de fato, é o que realmente somos. É como se tivéssemos uma pedra preciosa, completamente intocada e magnífica, que em hipótese alguma pudesse ser revelada e, por isso, a cobríssemos com muitos panos e a moldássemos de acordo com o que quiséssemos que fosse visto.
Porém, quando cantamos, esses panos todos vão ao chão e a tão estimada pedra preciosa que nos habita e guarda nosso ser é então revelada.
Talvez seja essa a essência de um cantor: despir-se completamente e deixar que a sua face mais íntima seja revelada; despir-se de si mesmo. Arrancar todas as máscaras e mostrar o seu interior.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Noite de Estrelas

Queria a coragem de uma heroína
A disciplina de um monge
A sabedoria de um filósofo
A tolerância de uma mãe
Queria ter-te comigo agora tão arisco sentimento
Que me foge ao alcance
Os ruídos do mundo me ensurdecem
A quietude do mar me enlouquece
Quero silêncio e gritaria
Na mais harmoniosa junção de opostos
Pois de opostos é feito o equilíbrio
Aquieta-te mente inscessante
Acalma-te coração relutante e hesitante
Que hoje, a noite é de estrelas
E amanhã o sol morno não mais te queimará
Mas te nutrirá de força plausível

domingo, 17 de maio de 2009

O melhor de ontem

Casa. Tarde. Chuva.
O que mais poderia eu almejar?
Talvez teus olhos, agora tão distantes...

O piano. As mãos ao piano. O som.
Qual a música que toca em meus pensamentos?
Talvez a música da vida, agora tão clara...

Amanheceu a noite de sol.
Todos os pássaros voaram, radiantes.
As flores, mesmo caídas, ainda são belas
E que cores! Que cores guardam
Os caminhos da experiência.

O violão canta, mesmo pendurado à parede.
A música de ontem fala de hoje.
A fala de hoje é a música de amanhã.
Enfim, anoiteceu a manhã de luar.

Ver, é preciso ver.

É incrivelmente mágico ativar os sentidos quando se caminha pela rua. Sentir o cheiro das árvores e das flores, sentir o cheiro do vento, o cheiro da comida dos bares e restaurantes, o perfume das lojas, o cheiro de remédio das farmácias. Ver, é preciso ver. Como cada árvore forma um belo desenho, como elas são peculiares e diferentes umas das outras. Seus compridos galhos se juntam e fecham o céu com suas belas folhas. As flores com cores tão vivas que é possível pensar que elas foram pintadas com uma tinta mágica e magnífica. O céu estrelado, com nuvens sombrias da noite, declarando e estampando a imensidão do universo. Como a cidade é bonita e atraente à noite. As lâmpadas com sua luz sóbria e etérea, as casas e prédios antigos com seu charme europeu, os prédios novos com suas luzes e designes chamativos. O que estraga a rua, talvez, são as pessoas.

Sim, as pessoas com sua intensa cegueira. Não enxergam a beleza que as rodeia, não olham para os lados, andam maquinalmente compenetradas em suas obrigações, seus compromissos, seus problemas. Ou andam apenas, na sua grandiosa e implacável apatia e função de ser, de sobreviver. Nunca uma frase fez tanto sentido para mim como a frase do heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro: "pensar é estar doente dos olhos". É exatamente esse o mal da humanidade. Enquanto se perde tempo pensando, pensando mecanicamente, em tolices e devaneios, se perde tanto em beleza, em conhecimento visual que desponta em conhecimento fundamental. Quando se observa uma árvore (não me canso em citá-las), se aprende o sentido puro e essencial da vida. Elas estão ali, sempre no mesmo lugar, aparentemente imóveis, mas a cada dia mudam, envelhecem, ficam majestosamente maduras e sábias e, o mais importante, não perdem sua beleza.